A mentira que contada mil vezes…

Compartilhe

Pois é. O título desse texto é o retrato do nosso futebol hoje em dia. Estão tentando enfiar goela abaixo que o que está acontecendo hoje com o Flamengo é fruto de uma gestão austera, de primeiro mundo, conduzida por uma equipe preparada e que o planejamento foi o mais acertado possível. Foram anos nas trevas, com times medianos, até se atingir o auge, o apogeu. Mas a apoteose desse samba pode até ser esse. Mas lá atrás, na virada da Presidente Vargas para a Marquês de Sapucaí…. São outros 500… Ou melhor, são 500 milhões de reais a mais para o clube.

Mas por que não se fala disso abertamente? Meio óbvio, não? Mas está chegando aí a famosa “espanholização” do futebol brasileiro. Após anos de luta, da detentora dos direitos de transmissão, o objetivo mor está sendo alcançado. Se é certo ou não, se você concorda ou não, são outros 500… Ou melhor, são 500 milhões de reais a mais para o clube do lado de lá.

Já escrevi aqui, em algumas oportunidades, o que, quando e onde se deu início a isso tudo que assistimos. Pena que nosso alcance é pequeno – se comparado a eles, mínimo – mas ainda insisto para que, ao menos, tenha a consciência tranquila de que fizemos nosso papel.

Você conhece nosso canal no YoutubeClique e se inscreva! Siga também no Instagram

A grande virada ocorrida, curiosamente, se dá no ano de 2012, quando, coincidentemente, o Flamengo começa a receber muito mais do que os seus rivais. De um ano para o outro, eles dão um salto absurdo na divisão dos direitos de transmissão, sob a escusa de gerarem maior audiência. Então vamos deixar a roda de butequim e vamos aos fatos:

 

Percebam que o salto na tabela se desenha conforme explicado aqui:

2012-2015
G1 – R$ 110 milhões/ano (Flamengo e Corinthians)
G1 – R$ 80 milhões/ano (São Paulo)
G3 – R$ 70 milhões/ano (Palmeiras e Vasco)
G4 – R$ 60 milhões/ano (Santos)
G5 – R$ 45 milhões/ano (Cruzeiro, Atlético-MG, Grêmio, Inter, Flu e Botafogo) 
G7 – R$ 27 milhões/ano (Sport, Bahia, Vitória, Atlético-PR, Coritiba e Goiás)
G8 – R$ 18 milhões/ano (demais clubes)
Série B – R$ 3 milhões (demais clubes)
Séries C e D – sem cota (demais clubes)

Mas não para por aí não:

2016-2018
G1 – R$ 170 milhões/ano (Flamengo e Corinthians)
G1 – R$ 110 milhões/ano (São Paulo)
G3 – R$ 100 milhões/ano (Palmeiras e Vasco)
G4 – R$ 80 milhões/ano (Santos)
G5 – R$ 60 milhões/ano (Cruzeiro, Atlético-MG, Grêmio, Inter, Flu e Botafogo) 
G7 – R$ 35 milhões/ano (Sport, Bahia, Vitória, Atlético-PR, Coritiba e Goiás)
G8 – R$ 23 milhões/ano (demais clubes)
Série B – R$ 5 milhões (demais clubes)
Séries C e  D – sem cota (demais clubes)

E vai piorar:

Projeção de cota de transmissão no Brasileirão 2019:

Cota 1 –  R$ 327,1 milhões – Flamengo
Cota 2 – R$ 271,1 milhões – Corinthians
Cota 3 – R$ 192,6 milhões – Palmeiras*
Cota 4 – R$ 173,6 milhões –  São Paulo
Cota 5 – R$ 105,5 milhões – Santos
Cota 6 – R$ 103,6 milhões – Vasco
Cota 7 – R$ 100,6 milhões – Atlético-MG, Cruzeiro, Grêmio e Internacional
Cota 11 – R$ 75,8 milhões – Botafogo e Fluminense
Cota 13 – R$ 71,4 milhões – Bahia
Cota 15 – R$ 55,4 milhões – Athletico-PR, Ceará, Fortaleza, Goiás, CSA, Chapecoense e Avaí
* valor estimado depois do acordo com a Globo

Ou seja, a tentativa de um equilíbrio, tal qual a Premier League resultou nisso dai em cima. Um verdadeiro disparate. Vocês lembram qual era a justificativa? Audiência, né?

Flamengo – 12 jogos – média de 27,7 pontos
Vasco – 8 jogos – média 21,9 pontos
Fluminense – 11 jogos – média 20 pontos
Botafogo – 7 jogos – média 18,7 pontos

Brasileirão 2018 – Números divulgados pela Globo durante o Brasileirão 2018. Cada ponto no Ibope na região metropolitana do Rio de Janeiro equivale a 45.253 residências.

Ora, que o Flamengo tem mais audiência nos parece óbvio. Que ele receba mais por isso, idem. Mas por que tamanha desproporção?

Numa matemática grosseira, cada ponto de média de cada time:

Flamengo R$ 170 milhões / por 27,7 pontos de audiência = R$ 6.137.184,12 – por ponto
Vasco – R$ 100 milhões / por 21,9 pontos de audiência = R$ 4.566.210, 05 – por ponto
Fluminense – R$ 60 milhões / 20 pontos de audiência = R$ 3.000.000,00 – por ponto
Botafogo – R$ 60 milhões / 18,7 pontos de audiência = R$ 3.208.556,15 – por ponto

A pergunta é: por que os pontos de audiência são remunerados de forma tão desigual. Nós fomos os primeiros a levantar essa lebre por aqui – até que teve uma repercussão legal. Mas é incompreensível.

A Globo, há muitos anos, vem criando um abismo entre os clubes nacionais. Isso é óbvio, cristalino e só não enxerga quem participa da massa de manobra e torce para um de seus queridinhos. Pois não há nada, absolutamente nada, que justifique a diferença gigantesca, e grotesca, das verbas das cotas de TV, distribuídas antes ao bel prazer, hoje em cima de números que não justificam tal absurdo.

E olha que o Flu viveu o drama, mais uma vez, de escapar do rebaixamento no ano de 2018. Imaginem brigando pelo título… Não falam que a média de audiência do queridinho é muito maior? Bom, com a verdade exposta acima, a gente vê que É BRINCADEIRA o que fazem com nosso futebol.

Mas e a gestão, sócio torcedor, Marketing, receitas de bilheteria e etc?

Sabidamente, aqui no no nosso futebol, as receitas dos principais clubes vêm principalmente de direitos de  transmissão de jogos na televisão. Esse tipo de receita representa de 30 a 60% das receitas dos grandes clubes e, direta ou indiretamente, influenciam na geração das demais receitas, sobretudo no “girar da roda”. Isso porque, as demais fontes de rendas vêm da venda de ingressos para competições, patrocínios, premiações por títulos e por classificação em cada fase das competições  – que ainda podem garantir participação em competições internacionais mais lucrativas –  uso do espaço social das sedes para a prática de esporte amador, ações de marketing e, cada vez mais, da venda de atletas ou até mesmo da compra de “estrelas” que atraem investimentos vultosos em marketing.

Pois bem. O ponto de partida é esse: com mais dinheiro em caixa o clube tem condições de investir melhor no seu elenco, com nomes de peso. Isso aumenta as chances de classificação nas fases das competições, chances de títulos, atrai mais o seu torcedor para ser “sócio-futebol” (ou qualquer nome que se dê para esse tipo de programa), que por sua vez gera mais ações de marketing, que arrecada mais. Com isso, o clube não precisa se desfazer de alguma “joia” de sua base mais cedo, podendo alcançar números melhores mais na frente. Ou seja, a roda começa a girar com o investimento inicial. E ainda, com a contratação de nomes fortes do futebol, se atrai mais mídia e, com isso, patrocinadores interessados. Quer um exemplo? O que seria mais lógico: um patrocinador preferir estampar seu nome numa camisa que Deco veste ou numa camisa que Romarinho veste? Fácil de compreender.

Portanto, mas nem tão simples assim, quanto mais se investe coerentemente no futebol, maior serão as receitas advindas do mesmo. Mas como começar a investir? Como um clube consegue atrair maiores investidores, sócios e etc? Partindo de um investimento inicial. A partir daí, o restante vem como consequência. Seja ela prevista ou não.

As gestões dos clubes no Brasil sempre foram parecidas no quesito precariedade, amadorismo e temeridade. Pouquíssimos dirigentes se preocuparam com o futuro do clube e acumularam dívidas absurdas. Se fossemos um país mais rigoroso nenhum clube hoje existiria. Teriam sido liquidados para adimplir com tais dívidas. E todos partiram desse mesmo desespero, uns em situação horrorosa e outros em situação caótica. Após o aporte absurdamente desigual, a partir de 2012, observe a diferença entre a dupla Fla x Flu:

2. Flamengo

Receita em 2018: R$ 542,8 milhões
Variação 2017-2018: -16%

Direitos de TV: R$ 222 milhões
Patrocínios: R$ 90 milhões
Transferências de jogadores: R$ 64 milhões
Clube Social: R$ 52 milhões
Sócio-Torcedor: R$ 48 milhões
Bilheteria: R$ 45 milhões
Outras: R$ 22 milhões

Quando falamos de Fluminense, o quadro é o seguinte:

7. Fluminense

Receita em 2018: R$ 297,4 milhões
Variação 2017-2018: 30%

Transferências de Jogadores: R$ 119 milhões
Direitos de TV: R$ 113 milhões
Social e Amador: R$ 18 milhões
Patrocínio e Publicidade: R$ 13 milhões
Bilheteria: R$ 11 milhões
Sócio Torcedor: R$ 5 milhões
Outras: R$ 18 milhões

Ora, basta um olhar cru, sem experiência, para identificar que a diferença é absurda. Não só nas cotas de TV, em que recebemos pouco mais da metade deles. Mas em patrocínios (90mi x 13mi); em bilheteria (45mi x 11mi); sócio-torcedor (48mi x 5mi) clube social e esporte amador (52mi x 18mi). E aqui se mostra a conclusão de mais esse raciocínio. Quais são os motivos deles terem essa receita muito maior do que nós? A torcida ser muito maior? Não, meus caros. O impulso inicial, advindo da detentora dos direitos.

Com um time melhor, como já dissemos, se atrai mais investidores, patrocinadores, sócio-torcedores…. O abismo criado pela emissora ainda é reversível, mas estamos no limite de sua reversão. Se nada for feito agora, teremos finalmente a espanholização do futebol brasileiro, com dois times sempre nas disputas e outros tantos penando pelos terceiros lugares, por uma classificação para um torneio secundário e afins. Passaremos a ver clubes com o peso da história nos ombros, como é o nosso caso, como vemos Real Club Deportivo de La Coruña entre outros.

O ponto é: todos partimos hoje de uma mesma linha de largada atolada em dívidas. A diferença é que uns ganharam um empuxo adicional, e injusto, em detrimento de outros. Não queremos ser beneficiados, e nem tratados de forma diferentes. O que queremos é o mesmo tratamento, é que seja mais justo o nosso futebol. Nada além disso.

 

Mas por que os clubes não negociam melhor os seus contratos com as emissoras?

Outro ponto interessante. Primeiro porque não existe união entre eles. E isso é excelente para toda e qualquer emissora, que queira comprar e, o pior, administrar o campeonato (colocando jogos no dia e horário que mais lhe convier – como por exemplo colocar um clube jogando mais vezes em horários nobres e outros na segunda a noite). Dessa forma, os interesses comerciais se sobrepõem aos esportivos. Os papéis se invertem de forma também absurda. O campeonato passa a ser um produto da emissora, e não a emissora ser um veículo de transmissão do campeonato. Compreendem a diferença? Clubes centenários ficam à mercê da vontade de meia dúzia de diretores, cujo objetivos podem não ser o melhor para o campeonato em si, e sim o melhor para os próprios.

Em relação à uma melhor negociação, é meio óbvio, não? A maioria dos clubes está com o pires na mão, em situação pré-falimentar, infelizmente. E sabem disso. Não adianta forçar muito, pois não cedem. Ponto, parágrafo, letra maiúscula. É tipo simples assim mesmo. Não tem concorrência por aqui, para a transmissão…

Os clubes são desunidos. A CBF, que deveria tomar conta somente da Seleção Brasileira – e olhe lá – não quer largar o osso. Sabe que se deixar nas mãos dos clubes o poder será dividido e isso, meus amigos, não interessa à ninguém.

A saída?

A saída dessa sinuca de bico está nas arquibancadas, na torcida. Precisamos nos convencer que somos A ÚNICA saída. REPITA-SE MIL VEZES – SÓCIO-TORCEDOR É A ÚNICA SAÍDA. Veja o caso do Athlético-PR… Olha a estrutura deles, o recente histórico. Claro que tem a ver com gestão, óbvio até. Mas estamos iniciando uma nova era, com novas ideias. Você pode não gostar do Mário, do Celso, da tiazinha que serve o café. Mas eles só poderão fazer alguma coisa diferente – ainda que seja para sua crítica – se tiverem dinheiro. Caso contrário, a receita será a mesma. Não existe varinha mágica, nem gênio da lâmpada. Mas existe o sentimento verde, branco e grená.

Ou viramos sócios e resgatamos o nosso clube ou assistiremos, através das telas de nossos computadores, tablets e celulares, a derrocada de nosso clube.

ST

Washington de Assis

 

 


Compartilhe

1.029 thoughts on “A mentira que contada mil vezes…

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *