LEONARDO BAGNO – Resistir é preciso

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Tricolores,

Hoje, gostaria de falar sobre algo que vem me incomodando há muito tempo (desde a década de 90, mais ou menos) e que nos últimos anos, especialmente nos últimos dias, vem se intensificando. Algo que transcende ao Fluminense, alcançando todos os torcedores indistintamente. Deparei-me com a esdrúxula lista de comportamento que o torcedor deve ter dentro dos estádios, divulgada pela CONMEBOL, e imposta a todos os torcedores dos times sul-americanos que participam de suas competições.

Eis o que diz a extensa lista no capítulo VII, que trata das proibições e condições de entrada e permanência do público (os pontos destacados são, a meu ver, as bizarrices da regra):

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Art. 25 – Objetos Proibidos

É proibido a entrada no estádio e/ou manipulação, antes, durante e depois das partidas, dos objetos relacionados abaixo:

a) Armas brancas.

b) Armas de fogo.

c) Bebidas alcoólicas.

d) Líquidos e sólidos engarrafados em vidro, lata, plástico e/ou papelão (Aplicado somente às arquibancadas/Não inclui copos plásticos).

e) Jogos Pirotécnicos de qualquer tipo e/ou forma de ativação.

f) Bombas de Fumaça.

g) Bombas de estouro.

h) Extintores de fumaça coloridos.

i) Iluminação a Laser.

j) Apitos.

k) Guarda-chuvas e sombrinhas.

l) Rolos de papel.

m) Tecidos, faixas, bandeiras, banners ou elemento similar em tamanho e quantidade que:

(i) Tapem o visual das arquibancadas.

(ii) Impeçam o monitoramento e controle do espetáculo esportivo e identificação de pessoas e suas condutas.

(iii)  Obstruam portas de entrada, de evacuação, bocas das arquibancadas (vomitórios) e saídas de emergências entre outros.

(iv)  Obstruam elementos publicitários.

n) Tecidos, faixas, bandeiras, banners ou elemento similar não poderão:

(i) Ser colocados nas divisões laterais (cercas) que separam as arquibancadas, devendo estas estarem livres de qualquer elemento no desenvolvimento do espetáculo esportivo.

(ii) Ser posicionados e amarrados às cercas que separam as arquibancadas, para que sejam estendidos posteriormente ao longo de seu comprimento e largura.

(iii) Ser instalados pelo lado exterior das cercas que separam as arquibancadas do campo de jogo.

o) Bandeiras gigantes ou também chamadas tapa arquibancadas.

p) Bandeiras de porte manual que superem a medida de 2m de largura por 1m de comprimento. O EGS se encarregará de instalar nas entradas dos estádios, os elementos de medição pertinentes para o respectivo controle.

q) Objetos acionados com gás, hélio e/ou meios ou substâncias inflamáveis similares que podem tornar-se um elemento de combustão.

r) Mastros para bandeiras de qualquer tipo.

s) Qualquer tipo de objeto que deva ser içado através de sistemas aéreos ou similares.

t) Qualquer elemento físico que, por sua destruição ou vida útil converta-se em elemento contundente ou material cortante.

u) Qualquer elemento que, a critério da equipe de gestão da segurança, seja considerado perigoso.

1º A altura, quantidade de tecidos, faixas, banners, bandeiras e similares que podem ser colocados nas cercas de separação entre a arquibancada e o campo de jogo, em nenhum caso, poderá ser superior a 1.50m. Esta medida, para o caso do primeiro nível (1º andar), será tomada a nível do campo de jogo em direção à parte superior de tais cercas. Nas arquibancadas acima do primeiro nível, a medida será tomada desde o próprio andar, em direção à parte superior da cerca.

2º A largura das faixas não poderá ser maior que 90cm e a distância entre uma e outra não poderá ser menor que 5m.

3º O EGS, através da entidade encarregada do plano de segurança, deverá determinar o portão e o horário de entrada dos objetos permitidos ao público, realizando as revisões do caso, a fim de assegurar-se que eles não representem nenhum risco e impeçam o princípio fundamental do presente Artigo, de contar com campos visuais adequados que permitam o monitoramento e controle das condutas individuais e coletivas do público.

Luiz Carlos e dezenas de outras pessoas serão prejudicadas. De novo.

Por que não se pode beber nas imediações do estádio, antes e depois da partida, e dentro dele? Por um acaso é para evitar brigas entre as torcidas? Avisem para o pessoal da CONMEBOL que as brigas acontecerão com ou sem a ingestão de álcool pelos torcedores e que acontecerão longe, bem longe, dos estádios. Essa regra não mudará absolutamente nada. O único prejudicado é o torcedor que ficará impossibilitado de ver seu time jogar na companhia de um copo de cerveja após um dia de intenso estudo ou estressante trabalho.

Por que o torcedor não pode entrar no estádio com um hambúrguer dentro de uma caixa de papelão, uma garrafa plástica pequena com refrigerante e um pacote de batatas fritas? O objetivo é impor ao torcedor o consumo obrigatório dos produtos que são ofertados dentro do estádio, sempre com os preços exorbitantes que são praticados pelos fornecedores, a fim de explorar aqueles que não têm uma segunda opção de compra (característica de mercado monopolista que é tão combatido por qualquer órgão regulador sério que trata do desenvolvimento da economia)? Ou é pelo estapafúrdio motivo de que os torcedores podem jogar esses objetos dentro de campo? Será que a CONMEBOL não imagina que todo e qualquer objeto pode ser arremessado dentro do campo (tênis, chinelo, celular, moedas, isqueiro…)?

O maior espetáculo que o Maracanã já experimentou.

A pirotecnia é algo que me fascina dentro do estádio. Fascinava, infelizmente. Desde pequeno ficava encantado com os morteiros que explodiam quando o Fluminense entrava em campo. Lembro de uma final de Carioca entre Fluminense e Vasco, no início da década de 90, que as duas torcidas fizeram um espetáculo pirotécnico lindo. Aliás, a maior festa que uma torcida já fez no Maracanã na História foi na final da Libertadores de 2008. Era tanto pisca, sinalizador, fogos de artifício e pó-de-arroz nas arquibancadas e antigas cadeiras azuis que era impossível escolher apenas um ponto para olhar. E não estou sozinho nesse fascínio.

Absolutamente todas as emissoras, quando querem fazer uma chamada que enfatize a emoção sentida pelo torcedor no estádio – vejam só a cretinice! -, colocam imagens de torcidas cheias de bandeiras, sinalizadores, papel picado, bandeirões… Quando se deparam com uma regra proibitiva e exagerada dessa, o que fazem as mesmas emissoras? Aceitam mansamente, sem questionar, sem criticar a decisão completamente absurda de se proibir a entrada de tais artefatos pelo singelo motivo de serem aparentemente perigosos. Ora, se são tão perigosos assim, por que são comercializados? Por que qualquer pessoa pode ir numa loja e adquiri-los sem restrição alguma? Evidente que podem machucar (como um isqueiro e um cigarro também podem), mas proibir todos não me parece razoável. Há alguns artefatos que não causam perigo algum além do que já causam o isqueiro e o cigarro, como já disse. O que uma fumaça pode causar? O que um pisca pode causar?

Na Europa, em quase todos os países, a pirotecnia é liberada com pouquíssimas exceções. Na Europa! Mas aqui na América do Sul é proibido. O motivo? Penso que o motivo seja o fato de que aqui somos, em geral, incompetentes e não conseguimos realizar o trabalho para o qual somos designados a fazer. Praticamente todas as regras proibitivas têm como finalidade cessar uma situação que os administradores públicos ou privados entendem como perigosa e os meios utilizados para isso são sempre os que geram menos trabalho para eles. Se possível, transferem todo o encargo para o particular, de modo que este seja obrigado a se comportar de maneira que não seria a mais adequada para se contornar o problema. E daí? Afinal, quem vai ter que se adequar é o particular e não quem fez a regra. Vida que segue.

Nós também já tivemos guarda-chuvas na nossa torcida.

Quando toco nesse assunto, sempre lembro-me de um decreto imbecil do bandido e ex-governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral, que, evidentemente, foi revogado logo em seguida por conta da sua absoluta imbecilidade, determinando que era proibido no Estado fluminense motociclista dar carona. Dessa forma, não teria mais assaltos de moto. Sério, o cara fez isso. Ele deve ter pensado: “Já que eu não tenho condições de garantir a segurança dos cidadãos, que tal eu proibir a carona em motos? Assim, não terá mais assaltos a mão armada no trânsito!”. “Jenial”, né? Essa é a maneira que esse pessoal pensa. A CONMEBOL está apenas seguindo tal caminho. Vamos tirar o sofá da sala, é mais fácil e, aparentemente, resolve o problema.

O que falar, então, da proibição de guarda-chuvas e sombrinhas? Para quem não sabe, estes são adereços muito utilizados pelas torcidas sul-americanas, sem muita adesão no Brasil. Contudo, qual o mal que fazem esses artigos? Quer dizer que, se chover, a torcida tem mais é que se molhar mesmo? Ou, então, obrigatoriamente adquirir uma capa de chuva nas imediações do estádio (se tiver para vender) pelo triplo do preço que vale?

Bandeiras, agora, somente pequenas. No máximo, elas têm que ter 2 metros de altura por 1 metro de comprimento (fico imaginando os inúmeros estudos e pesquisas que eles realizaram para chegarem a esse tamanho de bandeira). Sorte da criança que conseguiu experimentar o balé das bandeiras nas entradas das torcidas do Rio de Janeiro pelo anel do Maracanã (que nem isso temos mais porque destruíram o Maracanã e colocaram outra coisa no seu lugar!). Qual é o objetivo dessas determinações? Quem está por trás disso? Querem manter a torcida afastada ou mudar completamente o perfil de quem frequenta os estádios?

Show das bandeiras que há muito o Maracanã não sabe mais o que é.

Os clubes de futebol precisam defender o direito do torcedor de torcer e demonstrar a sua paixão pelos seus clubes como sempre fez ao longo de décadas. Não é possível que eles concordem com essas determinações. E as torcidas, todas elas, deveriam unir-se para combater essas proibições abusivas, descabidas e autoritárias, que não possuem embasamento científico algum.

Vivemos um momento de total desinteresse das torcidas pelos estádios. Os poucos que vão podem ser considerados como a resistência a um modelo cada vez mais gourmetizado, no qual fazem questão de afastar as pessoas de menor poder aquisitivo dos estádios, concedendo espaço apenas para uma elite, que, por conta do seu perfil, não compactua com festas que envolvam bandeiras, pirotecnia, gente esbarrando-se e catarse coletiva. Tudo o que esse público quer é cadeira numerada, sombra, ar condicionado, um belo saco de pipoca e um mate gelado, com televisão ao lado para ver o replay, e de preferência com todo mundo sentado. Afinal, o ingresso foi caro e esse público é exigente. Acho que há espaço para os dois perfis. A exclusão de um pelo outro não deveria ser o norte.

O inimaginável parece estar acontecendo: o futebol, que se diferenciava de todos os demais esportes por conta das suas peculiaridades e pela paixão que o cercava, caminha a passos largos para o encontro de outros esportes plastificados, com seus bastões de ar patrocinados por uma marca de shampoo ou de desodorante e com pessoas impecavelmente uniformizadas, sem a pluralidade característica dos estádios de futebol, nos quais ricos e pobres dividiam o mesmo espaço pelo mesmo motivo.

Tricolores contra o futebol moderno.

O imponderável ainda permanecerá – até que mudem as regras do esporte – sendo o diferencial do Futebol. O ambiente criado pelas torcidas sul-americanas (brasileiras incluídas, evidentemente) parece que não querem mais. Não há mais espaço para elas nesse novo esporte que eles querem nos vender. Resta saber se iremos comprar.

Saudações Tricolores,

Leonardo Bagno

ACRÉSCIMO DE TEMPO: +5

46min: Escrevi a coluna antes do jogo do Fluminense dessa sexta-feira. É que eu viajarei neste Carnaval e para onde vou não terei acesso a computadores. Espero que tenhamos tido uma atuação satisfatória nesse jogo válido por um campeonato que é, na verdade, um grande preparativo para as competições que realmente importam: Brasileiro, Copa do Brasil e Sul-americana.

47min: O time portou-se muito bem contra o Antofagasta – CHI na terça-feira passada. Falta chutar mais de longe quando nos depararmos com time retrancados. Ficar apenas nos passes laterais não adiantará muita coisa. Acredito que o Ganso consiga resolver esse problema.

48min: Fluminense está contratando, na boca pequena, jogadores jovens que participaram da seleção brasileira de base juntos. Vai dar certo? Não sabemos, mas que é um trabalho digno de aplausos para um time que não tem dinheiro para nada, é. Espero que o clube consiga cumprir com a suas obrigações mensais, pois eu acho que esse time tem muito potencial para alcançar resultados surpreendentes nesta temporada.

49min: Tem um comercial do Premiere Futebol Clube que está sendo veiculado neste mês que mostra um torcedor ruivo tentando ver a partida do seu time desesperadamente. Tenta no computador de casa através de sites piratas sem sucesso. Sai correndo do apartamento e procura pelo boteco mais próximo para ver o jogo e dá de cara com a porta fechada por estar lotado. Resta o último recurso, que acaba sendo bem sucedido: assistir ao jogo na casa de um amigo torcedor do time rival. O comercial parece inofensivo, mas está intimamente ligado com o assunto tratado no texto acima. Se o torcedor ruivo tivesse comprado ingresso e ido ao jogo nada disso teria acontecido. A televisão prefere dizer que a solução para ver a partida não é ir ao estádio, mas ficar em casa e assinar o Premiere. Não, não e não! Premiere não é solução para ver o jogo. Premiere – ou qualquer outro canal de televisão – é o primeiro suspiro por aparelhos depois de a esperança de ver o jogo no estádio morrer.

50min: Bom Carnaval a todos. Bebam, fumem, beijem, cantem, fantasiem-se, divirtam-se, façam o que der na cabeça, pois há de ser tudo da lei. A vida é esta aqui agora. Pode até ter outra. Aliás, dizem até que tem. Eu aconselho não aarriscar. Vai que… Até quarta-feira, no Maracanã! Tem jogo decisivo pela Copa do Brasil. Seria legal a torcida ir.


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12 thoughts on “LEONARDO BAGNO – Resistir é preciso

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