O intrigante caso da seleção que só marca gols contra sua torcida

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Brasil, o país do futebol. Esse jargão, ou alcunha, nos foi dada sabe-se lá quando. Talvez após a conquista do Tri, em 1970, ou do penta, em 2002. Mas os filósofos de butequim, ao tecerem suas teorias eivadas de romantismo dos anos idos, pouco se importam se foi lá atrás ou que ano tenha sido. No Brasil, a paixão pelo futebol vem de berço, qualquer que seja ele. Um dos maiores escritores do Brasil, quiçá do mundo, do universo, Nelson Rodrigues de tamanha genialidade, brincava com o imaginário brasileiro, quando dizia que no futebol “a bola é um reles, um ridículo detalhe”  e para quem o que interessa é “o ser humano por trás da bola”.  Ali, no gramado, o principal “não é a diversão lúdica, mas a complexidade da existência”.

Lembro bem de seguir a seleção brasileira. Era poético ver jogadores vestirem a amarelinha e entrarem em campo, sem preocupações com tatuagens, gel no cabelo e tudo mais que se extrai de uma vaidade que os holofotes de hoje projetam em cada atleta selecionável. Penso que a seleção corrompe os mais jovens e mais focados. Cada qual com seu “personal stylist” e os benefícios e malefícios que isso traz a todos. Não compreendo uma seleção sem a verdadeira malandragem brasileira. Mais uma vez, socorro-me ao meu ídolo mor no jornalismo: “Muitas vezes é a falta de caráter que decide uma partida. Não se faz literatura, política e futebol com bons sentimentos.”   A seleção brasileira perdeu sua identidade e, aos poucos, vem perdendo a própria torcida.

Não falo pelo fatídico 7 x 1, que marcou a alma brasileira com aquele ferro de marcar gado, cuja lembrança traz arrepios aos ainda apaixonados. Mas falo pela comercialização do nosso sonho. Sim, a seleção brasileira era nosso sonho, pelo menos o meu desde moleque. Hoje, me parece mais um quintal, cheio de dirigentes ambiciosos que fazem acordos mirabolantes, obrigando a seleção jogar contra adversários sem expressão nenhuma, longe de casa, e com uma intenção que não me parece ser a de “a melhor” para a preparação. Mas são dezenas de interesses, uns claros, outros nem tanto assim, que a maior entidade de futebol do Brasil tem que atender.

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Outro mestre, Armando Nogueira, em um texto brilhante, traduzia em palavras o sentimento brasileiro, lá quando da conquista de 70:

“E as palavras, eu que vivo delas, onde estão? Onde estão as palavras para contar a vocês e a mim mesmo que Tostão está morrendo asfixiado nos braços da multidão em transe? Parece um linchamento: Tostão deitado na grama, cem mãos a saqueá-lo. Levam-lhe a camisa levam-lhe os calções. Sei que é total a alucinação nos quatro cantos do estádio, mas só tenho olhos para a cena insólita: há muito que arrancaram as chuteiras de Tostão. Só falta, agora, alguém tomar-lhe a sunga azul, derradeira peça sobre o corpo de um semi-deus …. ” (crônica histórica sobre a conquista da Copa do Mundo de 1970, publicada pelo O Globo)

Em outro trecho:

“Choremos a alegria de uma campanha admirável em que o Brasil fez futebol de fantasia, fazendo amigos. Fazendo irmãos em todos os continentes.

Orgulha-me ver que o futebol, nossa vida, é o mais vibrante universo de paz que o homem é capaz de iluminar com uma bola, seu brinquedo fascinante. Trinta e duas batalhas, nenhuma baixa. Dezesseis países em luta ardente, durante vinte e um dias — ninguém morreu. Não há bandeiras de luto no mastro dos heróis do futebol “.

Hoje não vejo a seleção despertar em ninguém esse sentimento. Não falo da categoria de jornalistas como Armando Nogueira e Nelson Rodrigues – ícones eternizados por palavras que, combinadas, refletiam mais do que sentimentos, retratavam atmosferas, suspiros e uma era que não volta mais. Falo desse sentimento puro e genuíno que embebecia as multidões, quando o escrete nacional entrava em campo. Pena. Para mim, para meu filho de 9 anos, que não conhecerá o sentimento que a seleção provocava e que eu vivi com a idade dele.

A CBF não pensa no resultado de suas ações. Ela age e ponto. Pouco se importa se vai haver ou não prejuízos de seus acordos comerciais com empresas que buscam visibilidade na maior seleção nacional de todas no planeta. Pouco se importa se vai desfalcar esse ou aquele time, com um ou dois atletas, em fase decisiva de suas PRÓPRIAS competições. Para o campeonato. Diminua a quantidade de jogos – queremos ter espetáculos e não jogos  só por tê-los. Fico pensando o que diriam esses gênios da escrita, se vivos estivessem.

E a consequência desse absurdo deslinde? A torcida brasileira está mais irritada com a seleção, por privarem seus times dos jogadores importantes, do que qualquer outra coisa. Nunca se viu, nas rodas de butequim da vida, tamanha indignação com os desmandos gananciosos de dirigentes que estão vilipendiando o sentimento verde e amarelo. Jogando a seleção, literalmente, como a vilã de um resultado ruim que possa acontecer com o time de coração, por conta da ausência desse ou daquele jogador. E piora. Ainda chamam mais gente para a seleção olímpica, sub-20,  sub-17…. Mais um motivo para se parar o campeonato.

Que nos proteja Gravatinha. E que Sobrenatural de Almeida tire umas férias e fique por Minas, pelo menos até o final do campeonato.

ST

Washington de Assis


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